terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Livro



Há um famoso ditado popular que ouvi milhares de vezes ao longo da vida: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Não concordo plenamente com ele. Mas posso adaptá-lo e agora sim, senti-lo muito mais verdadeiro: “Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és!” Somos muito mais o que lemos do que somos as pessoas com que lidamos na nossa vida. A maneira como pensamos, como olhamos para o mundo, a perspectiva que temos acerca dos acontecimentos da humanidade, são estados e características que desenvolvemos através do que lemos, ou do que não lemos. E de vez em quando, temos o privilégio de encontrar um livro que nos faz toda a diferença, que nos muda, que nos faz crescer, que nos faz olhar de uma maneira nova. Comigo isso aconteceu algumas vezes. Um dos meus autores favoritos de sempre é Aldous Huxley. Cruzei-me com o Admirável Mundo Novo há muitos anos, e mudou a minha vida. Fez reflectir sobre as injustiças da sociedade, sobre as oportunidades e destinos traçados que vêm de nascença e como abomino tudo isso. Comparei o condicionamento fetal no Centro de Incubação e Condicionamento com o mundo em que vivemos e como a vida que poderás ter é definida pelo local, tempo e família onde nasces. E este livro, e muitos outros que se seguiram, moldaram-me e definiram a minha maneira de pensar, a minha atitude no mundo, a minha luta pela justiça, pela igualdade, liberdade e fraternidade.
Lamento por quem passa uma vida sem folhear um livro. Por quem não tem o prazer de se deixar envolver por uma história, de ver na sua cabeça a acção e as paisagens, de se rever e identificar em algum personagem, de crescer, aprender, evoluir, com as palavras de quem sabe mais que nós, de quem partilhou o seu tempo, energia, sabedoria para fazer os outros crescerem.

Por ti, pelo mundo em que vives, por todos nós: lê um livro!

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Sonho




Percebi que se pode resumir a forma como as pessoas hoje olham para a religião e para a maneira com agem no mundo, com uma frase: “Pedi a Deus uma bicicleta. Mas sei que Deus não funciona assim. Portanto roubei uma bicicleta e pedi perdão a Deus”. Percebi isto num sonho. Onde estava a conversar com uma amiga, fervorosamente católica, sobre o acto da confissão, sobre pecados e perdão. E ela contava-me como quando se sentia culpada de alguma acção, um “pecado”, ia ter com o seu padre e confessava-se. Arrependia-se, pedia perdão, limpava a sua consciência. E perguntei-lhe – Arrependeste-te em consciência, pediste perdão, sentiste-te perdoada, então… nunca mais na tua vida vais repetir esse pecado, certo? – Não sei, não posso garantir. – Foi a resposta. Aí percebi este negócio da confissão e do perdão. É uma espécie de lavagem automática da alma. Erro, peço perdão, limpo a consciência, e estou pronto para voltar a pecar. Não é mais que um exercício de egoísmo, de tirar um peso de cima, aquele peso negro da culpa, da consciência ferida. Esta é a relação que as pessoas têm com o seu deus. E desse sonho acordei com uma nova visão do mundo, da vida, de Deus. Não há pecado, não há erro, não há certo ou errado. Se algo fosse errado aos olhos de Deus, Ele não nos daria sequer a capacidade de o fazer. Todos somos parte de Deus e estamos nesta existência física a experienciar tudo o que a nossa alma já sabe. Não há certo ou errado. Há sentir e experienciar. Foi isto que esse sonho me ensinou. É como os anos que vivi a esconder e recalcar o meu lado negro. Os meus ódios e sentimentos maus. Negava-os, recalcava-os. Não admitia a mim mesmo que sequer os tinha. Não podia ter. Eu era paz, amor, não havia lugar para sentimentos negativos. Nada mais errado. Eu tenho sentimentos maus, eu tenho uma parte de mim, imensa, negra, sombria, sádica. É o que eu sou. É parte de mim. E aprendi que o meu equilíbrio está aí, em admitir que tenho tanto de mau como de bom. É assim que encontro a minha paz. Hoje sei que não há bem nem mal, certo ou errado. Somos livres. Absolutamente livres para amar, odiar, salvar, condenar.


terça-feira, 8 de julho de 2014

Pele


Não sei a que sabe a tua pele. Pudera eu saber. Mas o guardião da minha hipocondria emocional prende-me dentro desta masmorra que sou eu. Fecha-me nesta prisão que me sufoca a voz e congela o centro de comando dos meus movimentos, fazendo-os descoordenados, sem noção das básicas funções do corpo e dos músculos. Ah! Como eu trocava a memória de todos os sabores de todas as peles por um momento. E soubesse tão mal, fosse a tua pele tão repugnante que algum mecanismo de defesa, algum fenómeno subconsciente de protecção me fizesse esquecer a tua existência. Como nos esquecemos de um episódio traumático. Uma amnésia selectiva! Que paz seria. Que descanso poderia ter a minha alma. Mas não acredito. Porque quando somos abalroados por este turbilhão de sentimentos que nos seca a boca, que nos dilata as pupilas ao ponto da luz se tornar dolorosa, as mãos transpirarem e tremerem, de as cordas vocais se emaranharem umas nas outras e não saberem como vibrar… não interessa a que sabe a tua pele. Certamente que os impulsos que transportam a informação das papilas gustativas ao hipotálamo – ou a qualquer outra parte do cérebro que seja responsável por os traduzir – iriam gritar que a tua pele sabe a céu, que é o paladar mais imenso e perfeito provado por um homem. Se houvesse tempo para isso. Se a acção tão avassaladora de ter a tua pele na minha boca não causasse um colapso instantâneo. Ah! Pudera eu ter a coragem de abocanhar qualquer parte de ti. E o verbo é “poder”, não “ter”. Porque para ter coragem, primeiro é preciso poder tê-la. E para poder, é desde logo preciso uma dose inicial de coragem. E nem essa tenho. Ah! Mas há quem tenha. E quem saiba a que sabe a tua pele. Quem a conheça e a percorra e a agarre. A quem lhe seja familiar a textura, o relevo, as curvas. Que morram mil mortes! Que lhes sequem as almas e enlouqueçam de dor! Não, não que enlouqueçam. Que sofram cada momento até se expirarem, e que saibam que essa dor vem de não serem merecedores do sabor da tua pele. Ninguém merece conhecer o teu sabor. Só eu. É a minha pele! Pudera eu saber a que sabe a tua pele.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Poema


Poema. Ela quer que eu lhe escreva um poema. Eu não sei escrever poemas. Eu nunca li um livro de poesia na puta da vida. Sei dois ou três de cor, mas acho que não servem. “Uma mosca sem valor/pousa com a mesma alegria/na careca do doutor/como em qualquer porcaria.” Não. Tem de ser assim uma coisa romântica. Do que é que ela tinha de se lembrar! “Em cima daquele monte/mandei construir um castelo/para tu me contemplares/como eu te contempelo!” Não, ela se calhar já ouviu este. Ou então não, e vai ler “contempelo” e pensa que eu sou um ignorante e não sei escrever, não vai perceber que é para rimar. Ela não é muito esperta. Claro que não é! Uma mulher esperta não pede a um homem que lhe escreva um poema! Pede um jantar, um passeio, uma viagem a Paris, um fim-de-semana num hotel de luxo com pétalas de rosa espalhadas pela cama. Que estupidez pedir um poema. Vou dizer o quê? Que mariquice. Ah os teus olhos azuis como o céu, o teu cabelo negro ondulado como as ondas de um mar de outono, a tua pele alva suave e doce como… ah, sei lá… E ainda por cima nada disto rima uma coisa com a outra. E a saudade? Não há poemas de amor sem falar da saudade. Ah, o meu coração rasga-se em mil pedaços em cada dia que acordo sem ti… Que coisa tão brejeira, meu Deus! Ah, a primeira vez que os meus olhos te encontraram, a sublime imagem dos teus contornos levantaram-me do chão… Porra, levantaram-me nada do chão, quando te vi a primeira vez foi como levar com uma bigorna gigante nos cornos! E agora como é que eu explico isto num poema? E nada rima com cornos! Só fornos. E porque raio iria eu falar de fornos num poema? É para ser amor, não é culinária! Não pode ser um desenho? Daqueles com corações e setas a atravessar e um arco-íris e o Bambi? Um poema… bem, deixa ver. Posso rimar amor com flor, coração com tesão, desejo com solfejo – sim, é música, resulta – vida com… o que é que rima com vida? Nada rima com vida! Ah, porra, eu nem gosto assim tanto dela! À merda com o poema!